sexta-feira, 20 de abril de 2012

Intertextualidade em Os Lusíadas (1572)

INTERTEXTUALIDADE
 
 Nos últimos quatro séculos Os Lusíadas serviram de fonte de inspiração para inúmeros poetas e prosadores da língua portuguesa. Os poemas abaixo, de dois dos maiores escritores portugueses do século XX, apresentam diferentes visões da fala do Velho do Restelo.

 
FALA DO VELHO DO RESTELO AO ASTRONAUTA
José Saramago

in Poemas Possíveis (1966)
      Aqui na terra a fome continua
      A miséria e o luto
      A miséria e o luto e outra vez a fome
      Acendemos cigarros em fogos de napalm
      E dizemos amor sem saber o que seja.
      Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
      Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez.
      E pusemos em ti nem eu sei que desejos
      De mais alto que nós, de melhor e mais puro.
      No jornal soletramos de olhos tensos
      Maravilhas de espaço e de vertigem.
      Salgados oceanos que circundam
      Ilhas mortas de sede onde não chove.
      Mas a terra, astronauta, é boa mesa
      (E as bombas de napalm são brinquedos)
      Onde come brincando só a fome
      Só a fome, astronauta, só a fome.
       
 
MAR PORTUGUÊS
                   Fernando Pessoa
                        in Mensagem (1934)
 

      Ó mar salgado, quanto do teu sal
      São lágrimas de Portugal!
      Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
      Quantos filhos em vão rezaram!
      Quantas noivas ficaram por casar
      Para que fosses nosso, ó mar!Valeu a pena? Tudo vale a pena
      Se a alma não é pequena.
      Quem quer passar além do Bojador
      Tem que passar além da dor.
      Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
      Mas nele é que espelhou o céu.
    O texto de Fernando Pessoa parece ser uma resposta à fala do Velho do Restelo. Admite o sofrimento advindo das grandes navegações, foi um fato necessário para a conquista do mar. A resposta de Pessoa ao Velho do Restelo é que “Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena.” Já o poema de Saramago atualiza a fala camoniana, trazendo-a para o contexto da exploração espacial. Como o velho, Saramago alerta o astronauta, moderno navegador, para os problemas que deixa na terra. Assim, Saramago reitera o discurso da personagem camoniana, agora em contexto universal.

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