quinta-feira, 19 de abril de 2012


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem – se algum houve -, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
que não se muda já como soia.

No mundo tudo é mudança: mudança interior, mudança na Natureza. Mas a mudança mais surpreendente é a de algo que se não muda como antes mudava. A idéia fundamental, acentuada ao longo de todo o texto, é a de uma mudança profunda, total, cósmica, que se reflete na própria vontade humana. Nenhuma expressão podia assim servir de melhor epígrafe ao último ciclo da ogiva espiritual de Camões. Do pessimismo angustiado do ciclo da miséria e do desterro, passa à atitude de perscrutação ansiosa do sentido da realidade que o cerca, daquilo a que chama de “desconcertos do mundo”.  Desconcertos não só do mundo, mas dele próprio, Poeta, que numa série de sonetos cuja precisa significação não alcançamos, se interroga sobre sombras vãs e seus alterados pensamentos. Na derradeira fase da vida, vemos o Poeta abraçado ao mistério dos dogmas religiosos, tomando em seus versos a defasada ortodoxia tridentina nos problemas teológicos mais controversos do seu tempo.

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